O melhor modelo de NEGOCIAÇÃO é o que se alinha a um propósito maior: construir uma CULTURA DE COMPROMETIMENTO, em que predomina a EMPATIA e não o egocentrismo.
“It’s official: happy employees mean healthy firms”(1) é o resultado de pesquisa divulgada em julho/2019 pelo World Economic Forum e pela LSE Business Review (da London School of Economics and Political Science). Desenvolveu-se uma meta-análise (2) de 339 estudos do Gallup envolvendo 1.882.131 empregados, em 82.248 unidades de negócio, de 230 organizações, 79 setores da economia, em 73 países. Descobriu-se forte correlação positiva entre a produtividade, o desempenho da organização, o bem estar das pessoas e os estados emocionais positivos.
Por um lado, é inspirador ver a ciência da gestão demonstrando que empregados felizes significam organizações saudáveis. Por outro lado, a insatisfação perene que impulsiona o progresso da humanidade, ainda é predominante nas organizações. Elas geram conflitos crescentes, que desafiam a arte de negociar. Mas o quanto o ser humano e as organizações compreendem dessa arte? O quanto se tornaram competentes nela? A aprendizagem dessa arte é intérmina, é contínua: jamais acaba, apenas evolui. E é multifacetada.
A negociação de conflitos trabalhistas, por exemplo, nunca para de desafiar fortemente e abalar as mais sólidas organizações. É o caso atual da General Motors, 13ª no ranking Fortune 500, que está enfrentando uma greve nos EUA, que já dura um mês (3). Vive a frustração de não conseguir encerrar um conflito que já custou, segundo estimativas do Credit Suisse, perdas de R$ 6 bilhões de reais. A GM tem, no momento, 48.000 funcionários sindicalizados. Há dois dias o vice-presidente de manufatura global da GM publicou mensagem incomum em um blog: ao invés de direcioná-la à liderança sindical (UAW-United Auto Workers), decidiu apelar diretamente aos funcionários citando os termos da negociação proposta.
Conflito e negociação: afinal, o que significam?
Conflito há dentro e fora do mundo do trabalho. E há dentro do mundo interior, no mundo íntimo, do ser humano. A palavra vem do latim conflictus: “choque, embate, luta, enfrentamento”. Também quer dizer “profunda falta de entendimento entre duas ou mais partes”. O conflito é sempre ruim, indesejável? Ou ele é parte da vida como os espinhos das rosas? Quando os espinhos nos ferem? Só quando somos inábeis em nosso contato com a rosa. O conflito como luta e divergência é inerente à vida. Ele promove o crescimento, desde que aprendamos a administrá-lo, sendo hábeis na arte de negociar! O conflito nos impulsiona a evoluir, ao aprendizado perene na arte de negociar com o outro e, principalmente, consigo mesmo.
“Celebrar acordo” é um dos sentidos para “negociar”, segundo o mestre Houaiss . “Acordo” é “resultado da comunhão de ideias, sentimentos; entendimento recíproco, harmonia; eliminação de oposição ou conflito; consenso, conciliação; decisão ou resolução conjunta”. É “pactuar”: “consentir, ceder, agir com tolerância. É “ajuste entre partes”. Ajuste ou ajustamento significa: colaboração mútua, pacificação, reconciliação.
Ajuste entre que “partes”?
Ajustes entre chefe e subordinados?
Ajustes entre colegas de trabalho?
Ajustes entre lideranças em todos os níveis da organização?
Ajustes entre os diferentes stakeholders da organização: acionistas, clientes, fornecedores, parceiros, governo, comunidades e sindicatos?
Ajustes da pessoa consigo mesma? Em “Traduzir-se”, diz o poeta Ferreira Gullar: “uma parte de mim pesa, pondera; outra parte delira”.
A ferramenta mais apropriada de negociação, em termos práticos e conceituais, é aquela capaz de nos ajudar a lidar bem com todas as partes, no dia a dia. Em qualquer momento ou lugar em que o conflito se manifestar. O conflito é natural porque ele é fruto da imperfeição humana, de sua ambivalência. Por isso, flexibilidade e resiliência são fundamentais na negociação, que deve levar em consideração a estrutura ambivalente de todas as pessoas e culturas organizacionais: há um % egocêntrico e um % empático, variando muito, em graus, numa escala de 0 a 100.
O melhor modelo de negociação é o que se alinha ao propósito organizacional maior, de construir uma cultura de comprometimento, em que predomina a empatia e não o egocentrismo (4). Porém, essa construção segue a filosofia KAIZEN: é um processo de evolução gradual, não dá saltos.
A sociedade e as organizações não são constituídas de “santos”, mas de pessoas imperfeitas, que devem ser estimuladas a melhorarem continuamente a si mesmas, de modo que os sistemas também melhorem. Nesse sentido, é impossível negociar bem com o outro, se a pessoa não é capaz de negociar bem consigo mesma.
O Compliance e os Códigos de Conduta que as organizações buscam edificar e implementar devem ter como um dos pilares o valor ético da transparência e da confiança, pois a hipocrisia e o medo destroem as relações e impactam o desempenho e a reputação, pessoal e empresarial.
Já foi dito que a sabedoria está no equilíbrio. As pessoas se relacionam umas com as outras de duas maneiras: egocêntrica e empática.
Na primeira forma, egocêntrica, o modelo K0 de Desenvolvimento Cultural adota dois conceitos, Comportamento “Anjo” e Comportamento “Demo”:
O “Anjo” é um falso empático. A pessoa concorda da “boca para fora”. Finge atender às necessidades do outro quando, na realidade, visa muito mais receber do outro. Pela necessidade egocêntrica de segurança e reconhecimento, a pessoa passa a imagem de “bonzinho”, e busca agradar. Concorda por fora, discorda por dentro!
Já o “Demo” é o egocêntrico assumido. Não esconde estar muito mais interessado em atender suas próprias necessidades, e pouco a dos outros. O próprio sentido comum da palavra “demo” oferece alguns traços típicos desse comportamento: pessoa turbulenta, impertinente, de mau gênio.
Quanto mais o Anjo e o Demo predominarem, mais teremos uma “cultura de envolvimento”, superficial.
Na segunda forma, empática, a pessoa negocia consigo mesmo e com outro.
Ela pondera o atendimento às próprias necessidades e às do outro, conforme a situação. Mesmo que não goste de algo, busca compreender e discutir, com sinceridade e respeito, os porquês.
Cede, dentro do possível, para viabilizar o consenso. Cede, não para agradar, mas por compreender os porquês. Não há um “falso SIM” do “Comportamento Anjo”, nem um “NÃO agressivo, radical” do “Demo”.
Quanto mais esse equilíbrio predominar, mais teremos uma “cultura do comprometimento”, verdadeira.
Como está a cultura de negociação em sua empresa? Quais esforços tem sido empreendidos para melhoria? Como fazer a mudança de uma cultura de envolvimento superficial para uma cultura de comprometimento verdadeira?
Por Antonio Carlos A. Telles, Consultor da WCCA (Programas K0) – Colaboração de Guilherme Carvalho, Gerente de Negócios e Relacionamento com Clientes.
(1) LSE Business Review, Julho/2019
(2) Meta-análise é um conjunto de técnicas estatísticas para combinar e sintetizar os resultados de dois ou mais estudos realizados de forma independente e selecionados em uma revisão sistemática. Essas metodologias têm elevada relevância na construção do conhecimento, por sintetizar informações de estudos publicados em diferentes fontes; diminuir o atraso entre as descobertas científicas e suas aplicações à prática profissional; e permitir testar novas hipóteses a partir dos dados já coletados.
(3) Folha de S.Paulo, 11/10/2019
(4) Apostila Programa Kaizen Zero –K0