Mudanças no modelo de avaliação do funcionário público, pretendidas pelo Ministério da Economia (1), permitiriam que o mau desempenho gere demissão. A apreciação apaixonada do tema pode levar a aplausos ou vaias impróprios. Uma reflexão mais madura talvez nos remeta a indagação mais ampla: o quanto a Gestão Pública pode se beneficiar da adoção de práticas da Gestão Privada?
Temos um caso emblemático, relatado pelo co-fundador e primeiro presidente da Embraer, que foi convidado pelo pai do management a integrar equipe que prestou consultoria ao presidente da China. Osires Silva, entrevistado em 2015 (2), contou: “Isso foi em 1988. Eu tinha deixado a presidência da Petrobrás. Estava no meu escritório em S. Paulo e minha secretária me avisou que tinha um tal de Peter Drucker no telefone”.
De fato, era ele, que disse: ‘Olha, o presidente Deng Chao Ping me contratou para fazer um projeto. Seu objetivo é fazer com que a China conquiste o mercado ocidental, coisa que nunca aconteceu nos 5.000 anos de história. Para um trabalho dessa natureza eu preciso de ajuda: imaginei convidar talvez 7 ou 8 pessoas, no máximo 10. Estou buscando contribuição de vários países, vários continentes. Na América do Sul acho que você é o cara mais indicado’.
Continua Ozires: “E ai nós fomos. No começo de janeiro de 1989, tivemos a primeira reunião em Pequim. Sentamos numa sala gigantesca, a maior que eu já vi. Estavam lá 800 dirigentes do Partido Comunista Chinês. Deng Chai Ping falou na abertura: ‘ Nós estamos aqui para construir uma nova China. Precisamos da determinação de fazer o melhor. Eu convidei essas pessoas aqui, sob o comando do Peter Drucker, para nos indicarem quais são os caminhos possíveis para atingirmos nossos objetivos de maior participação no mundo, vendendo nossos produtos. Quero que vocês deem a eles toda a colaboração. Não coloquem à frente disso o que vocês pensam, tirem da cabeça esses ismos: socialismo, capitalismo, comunismo, tudo isso. Nós temos agora que trabalhar pela China.”
O trabalho do mais influente consultor em gestão do século 20 deixou sementes na China, que geraram frutos. Ao longo de 30 anos, a 11ª economia do mundo (Pib, U$ 312 bilhões) deu salto extraordinário: conquistou a 2ª posição (PIB, U$11 trilhões), atrás apenas dos EUA.
Em “Inovação e Espírito Empreendedor” (3), Livro do Ano pela President’s Association dos EUA, Peter Drucker diz: “As instituições de serviço público precisam ser tão empreendedoras e inovadoras quanto qualquer negócio. Na verdade, elas precisam mais que isso. As rápidas mudanças na sociedade, na tecnologia e na economia constituem, ao mesmo tempo, uma ameaça ainda maior para elas e uma oportunidade ainda maior.”
O USA Office of Personnel Management, o RH do Governo dos Estados Unidos, divulgou um relatório sobre Melhores Práticas em Treinamento Gerencial. O guia objetiva ajudar o planejamento e execução de programas de desenvolvimento de 7.700 gestores públicos sênior do governo federal dos EUA, responsáveis por cerca de 2.000.000 de servidores. Foi realizada pesquisa sobre iniciativas de treinamento nas mais diversas organizações de alta performance, comparando-se práticas do setor público e do setor privado. Foram entrevistados representantes de 17 companhias Fortune 500 (tais como Johnson & Johnson, Wal-Mart, Xerox, Unilever, Microsoft, Dell e 3M) e 21 órgãos públicos. (4)
Desempenho organizacional depende essencialmente do desempenho de pessoas. No Brasil, discutem-se mudanças nas políticas de RH no setor público. “Promoção tem que ser por qualidade, não por tempo”, declarou, recentemente, o Presidente da Câmara (5). Segundo dados da CGU – Controladoria Geral da União (6), nos últimos 17 anos, nenhum servidor público foi demitido por insuficiência de desempenho, hipótese prevista na Constituição há mais de 20 anos, mas que nunca foi regulamentada. Os desligamentos que ocorreram se referem a casos de corrupção (65%), abandono, inassiduidade ou acumulação ilegal de cargos.
Mas uma cultura de desempenho não se constrói apenas com adequadas medidas de avaliação de qualidade do trabalho, que podem levar ao reconhecimento positivo ou até o desligamento, quando necessário. A cultura de desempenho se constrói, sobretudo, desenvolvendo as pessoas, em todos os níveis e áreas.
AUTOR: Antonio Carlos A. Telles – Consultor em Desenvolvimento de Pessoas, Estratégia e Ética & Compliance (WCCA e LRN)
COLABORAÇÃO: Guilherme Carvalho-Gerente de Negócios e Relacionamento da WCCA
(1) https://painel.blogfolha.uol.com.br/2019/12/30/guedes-quer-mandar-ao-congresso-projeto-que-regulamenta-demissao-de-servidores-por-mau-desempenho/
(2) http://www.portalcafebrasil.com.br/lidercast/lidercast-017-ozires-silva-2/
(3) Inovação e Espírito Empreendedor (Entrepreneurship), Peter Drucker (Pioneira, 1985)
(4) http://www.actelles.com.br/praticas-de-treinamento-gerencial-no-governo-dos-eua/
(5) https://noticias.uol.com.br/colunas/chico-alves/2020/02/01/entrevista-com-rodrigo-maia.htm
(6) https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/01/nenhum-dos-7766-servidores-expulsos-desde-2003-saiu-por-mau-desempenho.shtml
https://pt.wikipedia.org/wiki/Grupo_16_de_Astronautas_da_NASA#/media/Ficheiro:Nasa_astronaut_class_of_1996.jpg